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Concessão bem ou mal feita – entenda a diferença

por Thobias Furtado

O que seria a privatização do Ibirapuera? Ninguém nunca vai vender o terreno do parque. Tampouco cobrar para entrar. Concessão? Que tipo e em qual parte? Como fazer sentido diante de toda a complexidade do parque? Não seria mais do mesmo? Vejo como positivo o Dória ter colocado em pauta o papel do setor privado nos parques urbanos, que hoje já é enorme, mas ineficiente. Como buscar esta eficiência? Antes de mais nada é uma clara oportunidade para se debater o modelo atual no Ibirapuera e explorar soluções não só menos onerosas, mas que permitam avançarmos na transformação e melhorias que todos sabemos que o parque precisa.

Espero que a partir desta reflexão, você nos ajude a extrair desse interesse político em melhorar a gestão – que no Parque Ibirapuera está muito problemática – e a encontrar a solução que toda cidade liberal, mas eticamente responsável, encontrou para seus parques: sim, gestão privada, mas de interesse público. Este deve ser o debate. Como fazer mais com menos capturando receitas acessórias inexploradas, como respeitar a essência de cada parque e, ao mesmo tempo, como desenvolver e avançar um modelo onde as pessoas tenham orgulho da governança de suas áreas verdes que deve ser multiplicado por outros parques.

Manter o Parque Ibirapuera nunca custou tão caro como atualmente. Além de uma lista imensa de custos diretos – confusos, truncados e mal organizados – e de mais de duzentos funcionários públicos diretamente envolvidos no seu cuidado e na sua segurança – o que também custa caro –, o parque se acostumou com dois contratos que ultrapassam 20 milhões por ano com empresas privadas que colocam as “mãos na massa” através da terceirização de mão de obra. A ideia era trazer agilidade na contratação e demissão, já que nossas leis são engessadas. Mesmo assim, dentro de seus contratos milionários, não há recurso nem para comprar o eventual saco de cimento, válvula de descarga ou semente de grama, com o planejamento que deveria. É muito dinheiro para pouco resultado. É muita gente disponível fruto de engessamento público de um lado e do outro de contratos imperfeitos, onde existe o operário, mas falta a ferramenta. Cogitar resolver tudo em uma simples concessão administrativa com escopo maior apesar de razoável, também não resolve pois não há um plano de uso e restauração de pé e como nenhuma empresa tem interesse público, novamente será ineficaz se o objetivo é capturar e maximizar as melhorias e oportunidades que o parque tem.

As vezes corremos o risco de super simplificar o cuidado do verde e das infraestruturas, aparentemente grosseiro, mas não é colocar qualquer modalidade de privado que resolverá o problema do cuidado adequado. No Parque Ibirapuera, que, convém lembrar, é tombado e complexo, já temos hoje um batalhão de funcionários privados, mas ineficazes. Como não há levantamento histórico dos jardins e plano de requalificação, não há planejamento de plantio e material, não há cronograma, projetos, licenças pré aprovadas dos órgãos de tombamento, detalhamento de manutenção e investimento em melhorias da infraestrutura de apoio e lazer, bem como um plano de transformação, toda a vantagem da agilidade de contratação e demissão de terceirização vai por água abaixo. Coisas, que, em um cenário de terceirização de mão de obra, deveriam ser feitas pela administração pública e executadas por estes terceiros, mas não são. É uma tentação passar tudo para o setor privado. Mas, se este não tem interesse público e nenhuma empresa têm, não maximizamos as melhorias via terceirização e tampouco maximizaremos via concessão administrativa. Sim, novamente seria ágil para determinadas tarefas, mas faltará legitimidade e interesse real em planejar e realizar o que não estiver no contrato, engajar os frequentadores, educar, viabilizar melhorias que a conta não fecha para uma empresa, assim como falta agora, pois a empresa essencialmente busca o lucro e tem um escopo predeterminado. E, a medida em que a complexidade das necessidades do parque crescessem, as aprovações de melhorias nos lagos, playground, permeabilização da vias, CAPEX de verde, o contrato se tornaria ineficaz, assim como o contrato dos terceirizados de hoje são ineficazes.

Não existe uma empresa disposta a perder rentabilidade em um contrato para fazer o bem público por si. Isso seria roubar dos acionistas. Isso não existe. A empresa trabalha para garantir a sustentabilidade do contrato e/ou da concessão, da margem de lucro, para garantir a margem de lucro futura. Esta é natureza das empresas e é assim que deve ser. Empresas são bem vindas para executar escopos especificas ou rodar atividades especifica. Se surgir uma oportunidade de arrumar algo fora do escopo, digamos três banheiros ou mesmo criar um playground mais caro, daqueles de nos deixar de queixo caído, nenhuma empresa fará se não for bem remunerada para isso.

Como resolver o desafio dos parques? Foi pensando nisso que, nós frequentadores e interessados no bem do parque, assistindo e de braços amarrados via conselho gestor, obrigado a trabalhar com uma administração muito aquém do potencial do parque, criamos o Parque Ibirapuera Conservação. Não foi de um dia para o outro, mas visitamos centenas de parques mundo afora, lemos tudo sobre planejamento, parcerias, leis, casos específicos, vocações para geração de receita e chegamos ao veredicto que o melhor caminho seria criar uma organização comunitária, privada sim, ágil, mas com máxima governança e transparência, qualificá-la no modelo jurídico mais avançado possível no Brasil para o terceiro setor, o das OSCIPs (organizações da sociedade civil de interesse público), e, sem repasse público, mostrar que nós frequentadores e amigos do parque podemos realizar o que o parque precisa. Assim, criamos o Parque Ibirapuera Conservação, seguindo a história do Central Park Conservancy, que, unindo gestão privada, mas de interesse publico, é uma ONG sem fins lucrativos, influenciou uma geração de gestão de parques mundo afora e fomentou a criação de inúmeras organizações que hoje ajudam a cuidar de seus parques. Atualmente, eles captam de privados 75% de todos os custos do parque e transformaram o espaço verde do Central Park em um verdadeiro oásis no coração de Nova Iorque. Mas, nada é de um dia para o outro. E assim como eles, finalmente começamos a decolar.

No Parque Ibirapuera Conservação, não há dividendos, não há remuneração fora de mercado, mas há prestação de contas transparente, a obrigação estatutária de investir cada centavo conquistado na busca constante de melhorias para o Parque Ibirapuera. Temos interesse legitimo e agilidade para fazer mais com menos. Assim, empresas e pessoas físicas têm ficado tranquilas em apoiar a causa de cuidado do parque – fizemos mais parcerias em um só mês para um projeto do que a Secretaria do Verde fez em toda a sua história. Entregamos melhorias com responsabilidade e, até hoje, só não arrumamos lago, revitalizamos bosques, fontes e jardins, porque, acreditem se quiserem ou busquem saber mais, a Secretaria do Verde não deixou, presa em sua desgovernança, mesmo com zero marketing e custo zero para os cofres da prefeitura.

Neste último ano, as coisas seguem como sempre foram. O mesmo partido que geria o verde para Haddad, gere para Doria e Bruno. Nada muda. O Fundo do Meio Ambiente que deveria investir em projetos ambientais transformadores, volta a pagar a conta do parque. Triste que tenhamos que chegar a esse ponto. Mais triste será se não aproveitamos essa nova oportunidade de avançar no modelo certo e ficarmos presos por outras décadas em soluções ineficazes. Na nossa opinião – e baseando-nos na nossa experiência – o modelo vencedor é a parceria com uma gestão privada, sim, mas de uma organização da sociedade civil de interesse público. É esse o caminho que os melhores parques do mundo indicam e que aos poucos estamos construindo para o Parque Ibirapuera.

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