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Passeio com música no Ibirapuera III

por Roberto Carvalho de Magalhães
O príncipe do samba paulistano, Adoniran Barbosa, é o autor das canções que darão ritmo e clima a esta nossa caminhada no parque. São músicas da década de 1950, dos mesmos anos que viram o projeto, a inauguração e a consolidação do Parque Ibirapuera.

Uma fotografia do começo da década de 1950 nos lembra de forma contundente o que, entre outras coisas, havia na várzea onde hoje existe o Parque Ibirapuera: uma favela. Ela nos remete à palavra “maloca’, de origem indígena, que significa “cabana comunitária”, forma de habitação de muitas tribos da Amazônia, construída com galhos de árvores e cobertas com folhas secas de palmeira. Até recentemente, a mesma palavra também foi muito utilizada no sul do país para designar moradias construídas com materiais precários e improvisados, como sobras de madeira, zinco, papelão e lonas.

É esse o significado com o qual Adoniran Barbosa usa a palavra no seu famoso samba Saudosa maloca, de 1951, vaticinando, de certa forma, o que aconteceria em breve na várzea do Ibirapuera. Só que, na canção, quem tomou o lugar da maloca foi um “adifício arto” e não um parque…

Adoniran Barbosa (1910-1982) foi e permanece sendo o príncipe do samba paulista. Nascido em Valinhos, seus pais tinham chegado no Brasil em 1895, em meio ao grande contingente de imigrantes italianos destinados a trabalhar na lavoura. Nesse sentido, ele é o símbolo da típica história paulista de imigração, que deu ao estado e à cidade de São Paulo uma forte herança italiana.

O sambista Adoniran Barbosa, filho de imigrantes italianos, fez dos paulistanos humildes, seus dramas, comicidade e linguagem, os protagonistas das suas canções.

O sambista Adoniran Barbosa, filho de imigrantes italianos, fez dos paulistanos humildes, seus dramas, comicidade e linguagem, os protagonistas das suas canções.

No caso da música de Adoniran, essa herança se expressa – frequentemente, com humor – nas distorções gramaticais das suas letras e na transformação fonética das palavras, típicas da fala paulista/paulistana, fortemente influenciada pelos imigrantes italianos. Essa influência é particulamente perceptível na omissão do “s” no plural das palavras e se mistura, também, com o sotaque caipira. Porém, em muitas canções, como o próprio Adoniran Barbosa diz, isso não acontece “pra fazer gracinha”: o espírito é tragicamente irônico e melancólico, como no samba Iracema.

Muitos dos seus maiores sucessos foram compostos e gravados na década de 1950: Saudosa maloca (1951), Samba do Arnesto (1953), Iracema (1956),Apaga o fogo Mané (1956), Bom dia tristeza (1958) e No morro da Casa Verde (1959), entre outros. Apesar da origem distante no tempo desses sambas, Adoniram Barbosa nunca perdeu a sua atualidade. Atravessou incólume o advento da bossa-nova e do tropicalismo. Aliás, expoentes dessas duas e de outras correntes musicaos brasileiras não deixaram de revisitar e gravar as suas canções: entre eles, João Gilberto, Elis Regina, Maria Bethânia, Gal Costa, Ney Matogrosso, Simone, Zélia Duncan, Alzira Espíndola…

Adoniran Barbosa e Elis Regina durante a gravação de um programa de 1978, em que os dois cantam músicas do sambista paulista.

Adoniran Barbosa e Elis Regina durante a gravação de um programa de 1978, em que os dois cantam músicas do sambista paulista.

Desta vez, o nosso convite é para você fazer a sua caminhada no Ibira escutando músicas de Adoniran Barbosa compostas sobretudo na década de 1950. Não resistimos a incluir, no final, Tiro ao Álvaro, de 1960, e Trem das onze, de 1964, a música de Adoniran que, segundo a revista Rolling Stones, está entre as maiores canções de todos os tempos da música brasileira.

Propositalmente, repetimos cada uma das canções – cantadas inicialmente pelo próprio autor e, em seguida, por outros interprétes – para fornecer uma comparação entre as interpretações no decorrer das décadas. Boa caminhada com o Adoniran Barbosa!

Eis a playlist para o nosso passeio.

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Eis as todas letras de todas as músicas de Adoniran Barbosa.

Curiosidade: você sabia que há um Museu Adoniran Barbosa em Israel? Leia aqui.

Fotografia do índice da revista para este artigo: Parque Ibirapuera. Passeio na Marquise. Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas

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