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Adeus ficus elástica! E, agora, o deserto…

por Roberto Carvalho de Magalhães

Desgoverno, hipocrisia, superficialidade – e desrespeito dos cidadãos – na gestão do verde. O triste (e desnecessário) fim de uma árvore monumental e icônica do Parque Ibirapuera.

O lento assassinato e as reações

Recentemente, assistimos ao abatimento gradativo de uma das monumentais ficus elásticas do Parque Ibirapuera, talvez a mais monumental de todas. O assassinato se prolongou por alguns dias, incluindo o primeiro fim de semana de junho. Quem passava por aquela área do parque podia ver, com o coração na boca, o seu corte em capitulos, como num filme de horror, em que a tortura da vítima parece nunca terminar até o desfecho. A cada dia, nos perguntávamos: trata-se de uma poda? Se é poda, não é exagerada? Até que, finalmente, não sobrou quase nada da árvore e se produziu um vazio enorme onde antes ela reinava soberana.

O fato aconteceu sem aviso prévio algum, sem notificação alguma ao público, como se não lhe dissesse respeito. E isso já é um péssimo início de uma historia triste, pois, além da supressão de uma árvore icônica, uma verdadeira escultura monumental, que estava nos corações dos usuários e causava encantamento nos turistas, a administração não se dignou nem a avisar o público – a quem o parque verdadeiramente pertence – sobre o que estava para acontecer. Come se já soubesse que estava fazendo algo discutível, para dizer o mínimo.

Não é preciso dizer que as reações dos frequentadores – e não sό – do Parque Ibirapuera na página Facebook da nossa organização foram quase unanimemente de desconcerto e reprovação.

 Fotos de (do alto à esquerda, em sentido horário): Andréa Guimarães; Parque Ibirapuera Conservação; Lucas Batistella; Lucas Batistella.

Fotos de (do alto à esquerda, em sentido horário): Andréa Guimarães; Parque Ibirapuera Conservação; Lucas Batistella; Lucas Batistella.

O relatόrio “oficial”

Finalmente, na segunda-feira, 6 de junho, recebemos uma cόpia não assinada de um “relatόrio”, datado de 2 de junho de 2016, sobre o estado da árvore e a sua poda, já em estado avançado. Surge imediatamente a dúvida: a inspeção da árvore foi feita no mesmo dia em que começou a poda? Quantos minutos os responsáveis por esse relatόrio passaram examinando esse extraordinário exemplar de ficus elástica e quão minuciosa e séria foi essa inspeção?

A leitura do relatόrio, disponível no final deste artigo, suscita outras dúvidas sobre a seriedade dessa inspeção e o decreto de morte da árvore:

  1. A Ficus elástica e um exemplar exótico (não é nativo da mata Atlântica) e encontra-se em estado de senescência caulinar, galhos secos, com rachaduras, fungos (orelha de pau) e com risco iminente de queda.” Por que afirmar logo na abertura do relatόrio que a árvore não é nativa da Mata Atlântica? Porque, evidentemente, se fosse, não poderia ser abatida e a administração deveria arrumar outra solução para prevenir a possível queda de galhos? Isso significa que também para a ficus elástica seria possível uma solução alternativa.
  2. O tronco encontra (sic) com seu fuste oco e suas raízes estão com sintomas de podridão.” Não há uma fotografia no relatόrio que corrobore essa afirmação.
  3. Segue (sic) registros fotográficos.” Deixando de lado os erros elementares de português – que, infelizmente, denotam pressa ou mesmo formação escassa e duvidosa de quem redigiu o documento –, das poucas fotografias apresentadas, apenas três contêm detalhes com deterioração. Nessas mesmas fotografias é possível ver outras partes decididamente sadias da árvore.
  4. O relatόrio contém um anexo com uma reportagem do dia 11 de abril sobre a queda de um espécime do mesmo tipo na Av. 23 de Maio, na altura do Viaduto Tutόia, como se isso por si sό justificasse a supressão de outras árvores do mesmo tipo. Ora, o terreno em que essa árvore se encontrava é muito diferente do da ficus elástica do Parque Ibirapuera – terreno em acentuada pendência e cimentificado todo ao redor – e, portanto, comparam-se duas situações ambientais não comparáveis.

Além disso, o relatόrio não exibe autorização alguma do CONPRESP – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo –, que, em 1997, com a Resolução n.º 06/97, decretou o tombamento do Parque Ibirapuera, incluindo a vegetação – art. 3º, b) “A vegetação de porte arbóreo e os ajardinamentos públicos e particulares que assim definem e preservam a área permeável do perímetro”. A mesma resolução estabelece no Artigo 6.º que “os cortes ou podas de espécies arbóreas, modificações em áreas ajardinadas, públicas ou particulares, e, alterações no atual traçado urbano dependerão de autorização prévia do CONPRESP”. E eis que outra dúvida surge: a administração do parque e a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente obtiveram essa autorização?

Tristes conclusões

Essas lacunas e contradições, com as questões que levantam, levam-nos a concluir que a decisão de “suprimir” a ficus elástica do parque foi, no mínimo, apressada – para não dizer irresponsável. Apesar do laudo – que, como vimos, é paupérrimo, cheio de lacunas e contraditόrio nas suas intenções e justificações –, muitas outras fotografias recentes da árvore apontam para um espécime vivo, que poderia ser preservado pela sua beleza e histόria no parque, talvez com alguns problemas que poderiam ser resolvidos de outra forma. Todos temos muita preocupação com a segurança dos usuários e, se o medo era de que algum galho caísse por causa das chuvas, ela poderia ter sido cercada temporariamente e estudos mais detalhados poderiam ter sido feitos para se entender como ela poderia continuar nos deliciando com a sua magnificência no parque.

Se, como suspeitamos, as chuvas e alguns problemas presentes na árvore foram somente um pretexto para se livrar de um problema e de um espécime que, “de qualquer foma, não era nativo da Mata Atlântica”, como se somente árvores provenientes da Mata Atlântica tivessem direito de cidadania em São Paulo, deveríamos exigir a erradicação de todos os cafeeiros do territόrio nacional, pois também são uma planta exόtica, proveniente da Ásia Menor e introduzida na América do Sul pelos franceses…

Hoje, o Parque Ibirapuera está decididamente mais pobre. Não sό por acordar sem outra – grandiosa – árvore, mas também por ter dado mais um passo a caminho da desertificação e por estar continuamente exposto a ações de uma administração à deriva, que o debilitam na sua essência e na sua beleza.

  • Eis o relatório.
  • A resolução do CONPRESP pode ser consultada aqui.

Nota:

Quando este artigo já estava escrito e a árvore abatida, apareceu no Diário Oficial de 9 de junho de 2016 a seguinte nota:

“DIVERSOS – DESPACHO Nº 02 – PARQUE IBIRAPUERA – Supressão de 01 (um) exemplar arbóreo da espécie – Ficus elástica. 1 – No uso das atribuições que me foram conferidas por Lei e com base na manifestação técnica da Divisão Técnica de Administração do Parque Ibirapuera, AUTORIZO, em caráter excepcional, a supressão de 01 (um) exemplar arbóreo da espécie – Ficus elástica, localizado na Praça da Paz, Lago 2, Parque Ibirapuera. 2 – DETERMINO que seja providenciado, pela Administração do Parque, o plantio de 01 (um) novo exemplar arbóreo, padrão DEPAVE, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, após a supressão, conforme determina o artigo 15 da Lei Municipal nº 10.365/87; 3 – O presente Despacho terá validade por 12 (doze) meses. 2015-0.255.697-5”

Portanto, a supressão foi feita antes mesmo da autorização ser publicada. Além disso, a autorização não menciona o tombamento da vegetação e nenhum pedido de autorização ao CONPRESP. Mais um sinal de arbitrariedade e desgoverno na gestão do verde e do parque.

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