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Sobre o atropelamento de uma senhora idosa por uma bicicleta no Parque Ibirapuera

por Roberto Carvalho de Magalhães
Depois do triste episódio da senhora de 80 anos atropelada por um ciclista no Parque Ibirapuera, numa manhã de um dia útil (3/02/2016),  pensando nos acidentes frequentes envolvendo pedestres e ciclistas no parque e na enxurrada de acusações recíprocas, não podemos deixar de nos perguntar se o problema – muito sério – é exclusivo do Parque Ibirapuera ou se ocorre também em outros parques semelhantes ao redor do mundo.
Ciclistas e pedestres na ciclofaixa do Parque Ibirapuera

Ciclistas e pedestres na ciclofaixa do Parque Ibirapuera

Regulamentos

Antes de tentar entender por que isso ocorre, convém dar uma olhada no que os regulamentos desses e outros parques dizem. O regulamento do Parque Ibirapuera diz, entre outras coisas, que “a velocidade máxima para qualquer veículo autorizado a circular no interior do Parque, incluídas as bicicletas normais e as de corrida, é de 20 (vinte) Km/h” (art. 6.º). O decreto, redigido em 1989 e vigente até hoje, não traz outras especificações sobre o uso da bicicleta, mas é corroborado pelo Artigo 39.º do regulamento interno do parque, de 2005: “O trânsito de bicicletas deverá ser feito nas ciclovias, ou a caminho das mesmas, devendo ser limitada a velocidade ao máximo de 20 Km/h, respeitando-se a sinalização existente e a orientação da Segurança”. O regulamento interno só acrescenta a limitação das bicicletas às ciclofaixas, que foram introduzidas no meio tempo.

 Ciclistas fora das ciclofaixas - um flagrante desrespeito do regulamento.

Ciclistas fora das ciclofaixas – um flagrante desrespeito do regulamento.

Essa norma deve ser completada com a do Artigo 37.º do regulamento interno, que diz ser “expressamente proibida qualquer atividade que impeça ou prejudique a livre e espontânea circulação do usuário com segurança ou em qualquer outra dependência do Parque, assegurando-se o convívio harmonioso e civilizado de seus freqüentadores”. Apesar da boa intenção, esse artigo se baseia num vago bom senso das pessoas e não estabelece com clareza direitos e obrigações.

No caso do Central Park, o regulamento relativo ao uso de bicicletas é um pouco mais detalhado:

Nenhuma autorização é necessária para o uso da bicicleta no Central Park. Entretanto, os ciclistas devem obedecer as seguintes leis e regras:

  1. Pedestres têm sempre a prioridade;
  2. Diminuir a velocidade nos cruzamentos, dar precedência aos pedestres e, só então, continuar;
  3. Obedecer as leis de trânsito, sinais de trânsito, paradas e o limite de velocidade de 20 mph (32 km/h);
  4. Velocidade reduzida em caso de aglomerações, emergência e tempo adverso;
  5. Obedecer todos os sinais de ‘mão única’ e setas: viajar somente em sentido anti-horário nas alamedas que circundam o parque;
  6. Andar de bicicleta é proibido em todo e qualquer caminho de pedestres, com exceção dos caminhos nas ruas 96.ª e na 106-108.ª Oeste;
  7. Andar de bicicleta nas áreas verdes (ou seja, não asfaltadas) é proibido;
  8. Menores de 14 anos devem usar capacete, mas se recomenda que todos os ciclistas usem.
Cena de um acidente mortal envovlendo um ciclista e um pedestre no Central Park. Uma mulher de 59 anos foi atropelada quando um ciclista fez uma manobra, saindo da ciclofaixa, para evitar outros pedestres (setembro de 2014).

Cena de um acidente mortal envovlendo um ciclista e um pedestre no Central Park. Uma mulher de 59 anos foi atropelada quando um ciclista fez uma manobra, saindo da ciclofaixa, para evitar outros pedestres (setembro de 2014).

Convém ainda olhar mais longe e ver o que acontece, por exemplo, nos parques de Paris, que, por tamanho e função, podem ser equiparados ao Ibirapuera e ao Central Park. No Artigo 4.º do Capítulo 3 do regulamento dos parques municipais (“Condições de uso dos parques”), lê-se, entre outra regras, que “a circulação de pedestres tem a precedência em todos os lugares”, que “nos jardins fechados, andar de bicicleta nas alamedas não é permitido em caso de grande frequência” e que “ao redor dos lagos, as bicicletas têm que ser empurradas com a mão”.

Os franceses fazem uma distinção entre “parques” e “bosques”. Nos parques, via de regra menores, ainda que grandes, e com frequência mais alta, as restrições à bicicleta são maiores; nos bosques, como o Bois de Boulogne ou o Bois de Vincennes, que são muito maiores e assumem quase característica de floresta, as restrições de acesso e uso das bicicletas nas alamedas largas e asfaltadas são bem menores.

Por que os acidentes ocorrem?

Nos parques parisienses, a ocorrência de acidentes com pedestres envolvendo bicicletas é muito pequena e quase irrisória se comparada com o que acontece no Ibirapuera ou no Central Park. Por quê?

Em primeiro lugar, há uma fiscalização maior nos parques franceses e uma intolerância maior do público com quem não respeita as regras de boa e respeitosa convivência. Em segundo lugar, uma regra (e a sua aplicação), a que diz que os pedestres têm prioridade em todos os setores dos parques e que não se pode usar a bicicleta nos momentos de grande frequência, é muito efetiva na prevenção desses indesejáveis acidentes.

Ao contrário, como nos mostram os frequentes depoimentos em vários canais de informação e nos fóruns na Internet, seja no Parque Ibirapuera, seja no Central Park, há pouca propensão para se respeitar os regulamentos por parte dos ciclistas e pouca fiscalização dos mesmos. A norma menos respeitada é o limite de velocidade. 20 km/h, no Parque Ibirapuera, é o limite máximo em qualquer circunstância, mas muitos ciclistas usam o parque como se fosse um velódromo ou a sua pista particular de treino – o que o parque, evidentemente, não é. A ciclofaixa não os autoriza a superar o limite de velocidade, que é um limite para a segurança de todos. O limite de velocidade do Central Park já é elevado demais, porém as bicicletas só podem andar junto a pista de carros e nunca nos caminhos de pedestres e, mesmo assim, ciclistas ainda insistem em usar o parque como pista de treino ou corrida, superando até mesmo o limite de 32 km/h.

Essa tendência, a falta de consciência de que o pedestre tem, de qualquer forma, a precedência sobre todo e qualquer meio de transporte dentro do parque e a falta de uma norma clara sobre o uso de bicicletas nos momentos de frequência alta não contribuem, logicamente, para se evitar acidentes.

Nota final

Este não é um artigo contra os ciclistas em geral ou contra o uso da bicicleta no Parque Ibirapuera. É, porém, contra a prepotência e a incivilidade de muitos deles, que fazem mau uso do seu direito de passear no parque de bicicleta. Talvez seja essa a palavra chave: passear e não correr ou treinar. Há lugares mais adequados ou específicos para corridas e treinos: os velódromos, por exemplo; ou a Cidade Universitária, com as suas vias longas e largas, onde os pedestres nunca serão um empecilho.

Fontes e complementos

Documentos do Parque Ibirapuera:

  • Leia aqui o Decreto de 2 de março de 1989, que regulamenta o uso do Parque 
  • Consulte o regulamento interno do Parque Ibirapuera de 2005 aqui.

Regulamento dos parques municipais parisienses:

Regulamento do uso de bicicletas no Central Park, Nova York.

Leia sobre acidentes mortais envolvendo ciclistas no Central Park:

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