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Camisinhas no chão do Ibirapuera

por Michel Friedhofer

Uma proposta polêmica para resolver um problema antigo

Basta prestar atenção, e em alguns pontos do Ibirapuera se vê uma cena nojenta: uma quantidade imensa de camisinhas usadas espalhadas pelo chão. Geralmente, são vistas perto de algumas árvores, onde, diz a lógica, pessoas encontram-se para praticar sexo.

Sendo frequentador do parque e tendo visto essa situação lastimável diversas vezes, resolvi atacar esse problema. Fiz isso valendo-me dos princípios defendidos pelo Um Convite à Civilidade, iniciativa que criei há dois anos.

Imagem de camisinhas jogadas no chão do parque (crédito: Michel Friedhofer)

Camisinhas jogadas no chão do parque (crédito: Michel Friedhofer)

Como Engenheiro entendo que, para acabar com as camisinhas jogadas no chão, precisamos considerar as seguintes possibilidades:

  1. Acabar com a prática de sexo no parque;
  2. Convencer os envolvidos a carregar a camisinha usada até o lixo mais próximo;
  3. Oferecer uma solução ainda inexistente para o descarte das camisinhas.

Como não resolver o problema

Se as pessoas não transassem no parque, esse problema das camisinhas no chão não existiria.

É verdade, não existiria. E, ainda assim, a realidade é diferente.

Diversas fontes relatam que o sexo no parque é um problema antigo, que nunca foi resolvido. Ouvi o mesmo parecer até do próprio Sr. Heraldo Guiaro, Diretor do Parque Ibirapuera há mais de uma década, com quem conversei alguns dias atrás sobre o assunto. Isso está longe de ser exclusividade do Ibirapuera: uma rápida pesquisa revela que situação similar ocorre em outros parques pelo mundo, tais como Central Park e Prospect Park.

Camisinhas aos montes nos maiores parques de Nova Iorque: Prospect Park

Alguns dizem que “isso deveria ser proibido”… mas proibido já é!

O Art. 233 do Código Penal determina que “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público” é crime com pena de detenção de três meses a um ano (ou multa). Atravessar a rua fora da faixa de pedestres também é proibido e dá multa (Art. 254 do Código de Trânsito), e mesmo assim muita gente continua infringindo a lei. Cada um de nós tem algum exemplo parecido que demonstra que “ser proibido”, infelizmente, não basta. Pessoas continuam transando no Ibira, geralmente protegidas pela privacidade da escuridão.

Pronto, é isso! Vamos acabar com a escuridão – vamos instalar uns holofotes e deixar tudo às claras!”, alguns poderiam pensar.

Mas essa solução é ruim, porque a iluminação artificial perturba o ciclo natural da fauna e flora do parque. Além disso, encher a área de holofotes tem um alto custo de instalação e representa um custo mensal adicional referente ao consumo de eletricidade. Não é um caminho inteligente.

Então vamos encher de policiamento ostensivo!”, dirão essas pessoas.

Com vigilantes à espreita, dificilmente a prática de sexo no parque aconteceria. Certo? Mais ou menos. Hoje já existe vigilância noturna no parque, e mesmo assim o problema persiste. Poderíamos pensar em alocar mais vigilantes para essa ronda noturna? Poderíamos. Mas, se fosse uma coisa tão simples de fazer, será que já não teria sido feito? Se é uma solução tão óbvia, então por que não foi implantado ainda? Eu acredito que o obstáculo seja o custo: imagine pagar o salário de um funcionário trabalhando em período noturno e multiplique isso pela quantidade necessária para garantir que, enquanto a moita A esteja sendo vigiada, os safadinhos não estejam na moita B empenhados em criar momentos inesquecíveis. Também não é uma solução realista.

A conclusão, para mim, é simples: até hoje ninguém conseguiu eliminar o sexo no Ibira porque esse é um problema que, na prática, é dificílimo de resolver. Ponto final. Transar no parque é proibido, é inadequado, é cafona e mesmo assim acontece. Se conseguíssemos acabar com isso, seria perfeito.

Não dá para ser perfeito, mas dá para ser melhor

Não dá para ser perfeito, mas dá para ser melhor”, diz um dos slogans do Um Convite à Civilidade. Se não conseguimos acabar com o sexo no parque, que tal pelo menos garantir que não deixem rastros que serão encontrados na manhã seguinte pelo seu cãozinho ou pelo seu filho? A solução é fazer com que as camisinhas sejam descartadas em lixeiras. Há cerca de mil lixeiras instaladas no Ibira – mas nenhuma próxima dos pontos de alta concentração de camisinhas no chão.

Lixeiras para conter o descarte inadequado de camisinhas

Lixeiras para conter o descarte inadequado de camisinhas (crédito: Michel Friedhofer)

Pergunto-me: é razoável imaginar que o cidadão que acabou de fazer sexo junto a uma árvore do Parque Ibirapuera terá o senso de civilidade para tirar a camisinha e guardá-la consigo até encontrar uma lixeira? Talvez alguns façam isso – mas muitos não fazem, conforme atestam as evidências. Será que uma campanha de conscientização nesse sentido funcionaria? Pode ser que sim – mas eu não acredito nesse caminho. Não consigo imaginar alguma forma de educar essas pessoas a carregar suas camisinhas usadas até uma lixeira. Se alguém tiver uma ideia de como fazer isso de maneira eficaz, mande sua sugestão para contato@civilidade.org e teremos prazer em desenvolver a proposta.

Se Maomé não vai à montanha…

E assim chegamos às polêmicas lixeiras instaladas alguns dias atrás. Decidi instalá-las ali mesmo, exatamente nos lugares onde as pessoas estão jogando as camisinhas no chão. Se eles não vão às lixeiras, que as lixeiras venham a eles.

Pensei em instalar lixeiras idênticas às que já existem no parque – mas esses modelos são um pouco mais caros, e exigem uma fixação mais permanente. É um custo que eu não conseguiria cobrir. Além disso, lixeiras instaladas com a finalidade específica de coibir o descarte inadequado de camisinhas não podem desperdiçar a oportunidade de dialogar diretamente com o público a que elas são destinadas.

Para aumentar o engajamento desse público, inspirei-me no trabalho incrível feito pela Hubbub no Reino Unido para transformar o ato de descartar a camisinha na lixeira em uma brincadeira: ao escolher uma das duas lixeiras, o usuário encontra uma forma de se expressar, e faz a coisa certa (jogar lixo no lixo), sem ter sido “ordenado” a fazer isso. No Um Convite à Civilidade nós evitamos conjugar qualquer verbo no imperativo: “mantenha o parque limpo”, “jogue lixo no lixo” e “atravesse na faixa” são frases que dificilmente aparecerão em nossas campanhas. Acreditamos no empoderamento civilizatório através do exercício voluntário, e não do comando.

Layouts para as placas sobre as lixeiras de camisinhas (crédito: Um Convite à Civilidade)

Layouts para as placas sobre as lixeiras de camisinhas (crédito: Um Convite à Civilidade)

Procurei criar uma comunicação que estabelecesse esse jogo e que se conectasse com o público certo – e errei. A frase “quero dar um pequeno exemplo de civilidade”, dando ênfase às palavras “quero dar”, chocou e ofendeu além do planejado.

Das duas lixeiras que instalei em 27 de Maio, a primeira foi destruída em menos de uma hora. Após a polêmica divulgada pela revista Veja SP, a segunda foi removida pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente no final de semana seguinte. Já imaginava que haveria reações negativas, mas fiquei surpreso com a grande quantidade de comentários de apoio que a campanha recebeu. Muitas pessoas perceberam que essa iniciativa não é uma manifestação de apoio à prática de sexo no parque, e sim uma tentativa de contribuir com a limpeza do local.

Através de sua assessoria de comunicação, o gabinete do secretário Gilberto Natalini informou estar aberto a nos receber para discutir possíveis reformulações da campanha – posicionamento semelhante à da administração do Parque Ibirapuera. Certamente buscarei esse encontro, porque continuo acreditando que uma ação nesses moldes – com uma comunicação diferente, dedicada a encarar o problema em vez de fingir que ele não existe – é viável e eficaz. Nosso desejo é reformular a comunicação presa às lixeiras, fazendo uma versão que não seja percebida como tão ofensiva, para em seguida fazer a instalação em alguns pontos – com aprovação e bênção do Parque Ibirapuera, da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e do público frequentador.

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